Ainda tem espaço para o ‘creonte’? Langhi e Aly opinam sobre o futuro do Jiu-Jitsu em relação as trocas de equipe
* Com o passar dos anos, o Jiu-Jitsu tem caminhado para um lado cada vez mais profissional, mas para isso, ainda precisa romper certos paradigmas e tabus que cercam o esporte. Por exemplo, o atleta que muda de equipe ainda pode ser chamado de “creonte”? Já há algum tempo, lutadores migram para times maiores em busca de melhores oportunidades. E você, não faria o mesmo na sua profissão?
Assim como em qualquer modalidade esportiva, o Jiu-Jitsu caminha para mudanças que fazem parte do seu processo de desenvolvimento, e elas afetam diretamente os atletas que têm como meta a elite da arte suave. Em determinado momento, eles precisam parar, refletir e pensar sobre suas equipes: será que é aqui que eu vou alcançar meus objetivos? Para onde eu preciso ir? E como ficará a relação com o meu atual professor? Aliás, o treinador, que dedica tempo e trabalho ao atleta, merece alguma compensação financeira? O lutador é “creonte”? São inúmeras perguntas que cercam o polêmico tema.
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Diante desse cenário, pode estar nascendo o “Mercado do Jiu-Jitsu”, algo que é muito comum no Futebol, com o “Mercado da Bola”, por exemplo. Nomes importantes da modalidade, casos de Bruno Malfacine, Tayane Porfírio, Lucas Hulk, Isaque Bahiense, Fellipe Andrew, os irmãos Munis, entre tantos outros, decidiram sair de suas antigas equipes e foram competir em outros times. Mahamed Aly, faixa-preta e campeão mundial, também fez esse caminho ao deixar a equipe de Alexandre Penco, no Rio de Janeiro, para iniciar sua trajetória com Lloyd Irvin, nos Estados Unidos, e acredita que isso faz parte da evolução natural do esporte.
“Esse apego com o professor, apego com o aluno… Quando só está bom para um lado, na minha opinião, não é inteligente. Se o aluno está pensando em desistir do esporte porque não tem como bancar e tem alguém querendo fazer isso por ele, ou o professor não tem condições, isso não tinha nem que ser dúvida. O professor tinha que ter orgulho de fazer isso pelo aluno. O aluno também deveria ter uma naturalidade para aceitar esse tipo de proposta e ponto final”, analisou o faixa-preta em entrevista à TATAME.
“O Everaldo (Penco) foi o cara que disse que eu precisava de uma academia lá fora (exterior) para treinar. Tanto que hoje, quando estou no Rio de Janeiro, a primeira coisa que eu faço é pegar meu quimono e ir treinar com ele. É uma amizade grande e até pensamos em abrir uma academia juntos. Quando o professor apoia o jovem, o sonho de um adolescente, ele tem a amizade e gratidão para sempre”.
Mahamed também comentou sobre a proposta dos professores receberem um valor caso um atleta formado por eles decida mudar de equipe: “Acho que poderia, sim, ter um ressarcimento se a coisa já tivesse profissional e dando dinheiro para todo mundo. O que não é o caso. O atleta não dá retorno financeiro direto para a academia que ele está e não dará esse retorno para a academia que ele vai. Hoje não funciona. É algo a se pensar, mas não acho que seja a solução para nada. A equipe que pega um atleta novo, está assumindo um compromisso financeiro, mas ele não está assumindo para ter tanto de retorno. A matemática não é fácil de fazer”, apontou o lutador, que seguiu:
“O professor que sugere isso, está na profissão errada. Ele está fazendo por ele, não pelo atleta. Se o professor faz por ele, tem que melhorar como estrutura. No final das contas é isso, a água vai sempre para o mar. E hoje, Gracie Barra, Alliance, Atos e outras grandes equipes são o mar”, completou.
Rodrigo Cavaca, líder da Zenith BJJ e um dos nomes mais respeitados no cenário Jiu-Jitsu, revelou que trabalha há algum tempo com contratos com os seus atletas de ponta. O professor acredita que esse seja o caminho para a profissionalização da modalidade.
“Eu tenho contrato já há alguns anos com meus atletas de ponta, que foram ou podem ser campeões mundiais, e eu invisto neles. Dou uma estrutura de treino, o máximo de suporte que posso, para ganhar esse retorno deles no futuro. Não adianta nada você fazer todo o trabalho de base, que é o mais difícil, e na hora de ter o retorno você perde o atleta. Então, o contrato tem que ser utilizado, procurar um advogado, e assim acaba aquele negócio de ‘creonte’. Quem forma o ‘creonte’ é o próprio treinador, que cria o aluno de maneira errada, antiga”, frisou Cavaca.
O professor, que já revelou grandes nomes para o esporte, o último deles Fellipe Andrew – agora na equipe Alliance -, acredita que o contrato seja uma forma de resguardar tanto o treinador, quanto o atleta: “Em relação ao mecanismo para segurança do professor, é procurar um advogado que entenda do assunto, contratos de atletas, e com isso ele criar cláusulas para se sentir seguro. É uma troca. O contrato é para beneficiar ambas as partes, não é para prejudicar o atleta e ajudar o treinador. É para ajudar ambos”, disse.
Ainda tem espaço para ‘creonte’?
O termo “creonte” foi implantado no Jiu-Jitsu no fim da década de 1980 pelo lendário mestre Carlson Gracie, que com seu jeito irreverente tratava assim os lutadores que mudavam de equipe. “Creonte” era um personagem da novela Mandala, que foi ao ar na Rede Globo em 1987 e ficou caracterizado por ser sem caráter e traidor, dando origem ao que representava ser “creonte” no meio da arte suave. Mas será que hoje em dia ainda há espaço para chamar algum atleta de “creonte”?
“Em relação ao termo ‘creonte’, o atleta sempre precisa fazer o que é melhor para ele. O problema do atleta de Jiu-Jitsu é que ele não consegue ver a longo prazo e muitas vezes toma uma decisão porque a academia deu uma camiseta a mais, deu 100 reais, enfim. Sempre baseado no dinheiro e nunca naquela pergunta que devemos fazer: onde eu quero estar daqui a 5 anos? Daqui a 10 anos? Esse local vai me deixar mais perto do meu sonho ou preciso sair daqui para alcançar esse objetivo? Se buscamos soluções imediatas, provavelmente vamos nos precipitar”, opinou Langhi.
Já Mahamed Aly não vê espaço para o termo atualmente: “O cara que chama o outro de ‘creonte’, hoje em dia, é ridículo, é burro, ignorante, ultrapassado. E, com certeza, é um cara que não deu certo no esporte. Não vejo um cara que deu certo no esporte falando isso”, disparou.
Campeão anda com campeão
Maior campeã mundial em títulos por equipe, a Alliance tem em seu plantel grandes estrelas do Jiu-Jitsu. Algumas foram formadas na casa, outras iniciaram suas trajetórias em equipes diferentes e, depois, passaram a competir sob a bandeira do time paulistano. Michael Langhi, responsável pela Alliance-SP, contou à TATAME que a equipe não busca a “contratação” de atletas. Quem chega, paga a academia e não tem contrapartida financeira.
“Na verdade, não buscamos de maneira nenhuma (os atletas). Eles vinham até a nossa academia pelo fato estarmos sempre no topo, ganhando. Então, eles queriam saber como era o treinamento. Aquele papo: campeão anda com campeão. Eles associavam a nossa academia com a conquista de títulos em busca de um direcionamento para saber o que fazer. Esse pessoal (Bruno Malfacine, Mário Reis…), eles vieram de livre espontânea vontade. Não teve estímulo financeiro nenhum, diferente do que vem acontecendo agora. Eu mesmo vim para a Alliance pagando mensalidade, o Bruno também. Não teve nenhuma contrapartida para essas pessoas”, destacou o faixa-preta.
Langhi acredita que o Jiu-Jitsu tem que se tornar cada vez mais profissional, mas que é preciso entender que se trata de uma arte marcial. Então, o atleta deve ter noção para onde está indo e zelar pela sua trajetória dentro da modalidade.
“O profissionalismo tem que acontecer, isso é bom para o esporte, mas não podemos esquecer que o Jiu-Jitsu é uma arte marcial. Tem todo um pertencimento a uma equipe, não é como o Futebol, que quem pagar mais, leva. Precisamos pertencer a uma equipe, pertencer a algo. Acho que isso vale muito mais que dinheiro. Para que seja algo sustentável, é mais a oportunidade e o plano de carreira, do que o dinheiro que está na mesa no momento. As tomadas de decisões precisam ser a longo prazo e nunca a curto prazo”, apontou Langhi, antes de encerrar:
“Hoje, vemos alguns projetos que tem uma única fonte de renda, que em algum momento ela seca e o atleta se vê forçado a trocar de equipe mais uma vez. Quando ele olhar para a história, será cheia de curvas, terá passado por três ou quatro equipes. Não tem como associar um professor a ele. A minha história é reta, eu olho para trás e vejo o (Charles) Cobrinha e o Fábio (Gurgel), e mais ninguém. Tenho pertencimento à equipe, conquistei o meu lugar aqui dentro através do meu trabalho e da minha dedicação. Tem que profissionalizar (o Jiu-Jitsu), mas os projetos precisam ser sustentáveis e não algo que dependa de uma pessoa. Enquanto essa pessoa tem boa vontade de ajudar, as coisas vão acontecendo, mas quando não tem, os alunos precisam arrumar um novo caminho. Muita das vezes esses atletas vão em busca de um sonho, e aí se veem na obrigação de mudar de equipe novamente”, concluiu.
* Por Yago Rédua