Após vencer Lo, Meregali mira absoluto no Mundial: ‘Confiança não é arrogância’
Por Vitor Freitas
Disciplina e foco são duas palavras que acompanham o gaúcho Nicholas Meregali desde os seus primeiros passos no Jiu-Jitsu. O resultado disso foi exposto nas faixas azul, roxa e ficou ainda maior na última faixa de transição para a profissionalização, a marrom: Nicholas conquistou títulos mundiais em cada uma delas. Porém, a consolidação veio na faixa preta, em 2017, quando ele abalou as estruturas do esporte ao vencer Leandro Lo na final da categoria pesado do Mundial da IBJJF. Dois anos depois, o casca-grossa repetiu o feito sobre Lo, desta vez no BJJ Stars, encerrado no mês passado, em São Paulo.
Depois da vitória, Nicholas, que se intitula um “samurai dos tempos modernos”, teve as suas principais características ainda mais afloradas para o público que não o acompanhava. Sereno e sempre sério, com um casaco cobrindo o rosto, o aluno de Mário Reis tem o ritual de visualizar a vitória antes mesmo dela acontecer. Com os dentes trincados e o olhar fixo, ele deixar qualquer um sedento para saber o que vai ocorrer, assim como nos filmes de suspense. E foi o que aconteceu durante a semana e o dia da luta contra Lo no BJJ Stars.
Para alguns, talvez possa soar como arrogância tudo o que o lutador vem fazendo, mas, como o próprio Nicholas explicou em entrevista exclusiva à TATAME, a palavra “autoconfiança” é o que vem ditando seu caminho dentro do esporte. Como os antigos samurais, que o atleta gosta de mencionar, Meregali paga o preço para ser bem-sucedido.
Confira a entrevista completa com o faixa-preta:
– Como você pode explica a construção da sua autoconfiança?
Na verdade, eu acredito que essa confiança vem da dedicação, do preço que eu pago para atingir meus objetivos. Vem das coisas que abdico que não são boas para minha profissão, isso só me fortalece. Toda vez que eu abdico de fazer algo prazeroso, por exemplo, que não agrega no meu Jiu-Jitsu, isso me dá muita autoconfiança. Toda vez que eu me alimento de forma saudável me dá autoconfiança, toda vez que me relaciono com pessoas verdadeiras, isso me dá autoconfiança. Quando eu pago o preço dentro do tatame, nas minhas 5, 6 horas diárias de treinamento, isso traz mais poder ainda. É o que as pessoas confundem muito, né. Eu até falei depois de lutar que autoconfiança não é arrogância. Muita gente vê uma pessoa muito confiante, como eu sou, e acha que isso tem a ver com o sentimento de arrogância. Eu tenho uma certeza do que eu estou fazendo, porque eu pago um preço muito caro por trás, onde não tem câmeras me filmando 24 horas por dia, da maneira que eu me alimento, da maneira que descanso, da maneira que eu me relaciono ou quantas vezes eu treino por dia, quantas vezes eu faço preparação física, etc.
– Para você, qual seria a definição ideal para a palavra samurai?
Hoje o termo que se usa muito é o samurai. O samurai não é um cara que vai para a noite beber, usar droga, brigar em boate ou que se entope de anabolizantes para conquistar o que quer. Eu sei que sou um samurai, porque eu pago um preço. Estou tendo um caminho muito mais longo por não entupir o meu corpo de anabolizantes. Eu vou trabalhar duro para conseguir o meu objetivo, que é ser campeão mundial absoluto, sei o preço que estou pagando e sei o quão longo é o meu caminho. Isso só fortalece a minha autoconfiança, porque eu sei que minha hora vai chegar e ela está chegando. Quando eu falo isso, muita gente me interpreta como arrogante, mas na verdade, não sabe o preço que eu pago.
– Motivos para se intitular um samurai dos tempos modernos?
A minha autoconfiança não está nada vinculada com arrogância. A minha autoconfiança está vinculada com o meu trabalho, com o que eu sofro para atingir meus objetivos dentro do tatame. Eu acho que as pessoas precisam aprender a sofrer para entender o verdadeiro significado de autoconfiança. O sofrer não é se mutilar, o sofrer é pagar o preço de acordar de madrugada para treinar. O sofrer é deixar de comer algo que gosta para ter o resultado que quer. Acho que é mais ou menos isso. A autoconfiança, que é uma palavra que eu quero usar por um bom tempo até chegar ao meu objetivo, ela vem disso. Ela vem do preço que eu pago, onde não existem câmeras e ninguém vê. As pessoas só julgam, mas o Instagram é um mundo perfeito. No Instagram, tu vende uma imagem que você pode criar ela. Tu pode dizer que é um samurai, mas todos sabem aos quatro cantos quem é. E quem me conhece sabe que eu sou um samurai dos tempos modernos por isso me intitulo assim.
– Até agora, qual foi o maior preço que pagou pelo Jiu-Jitsu?
Como disse um astro influente do Jiu-Jitsu: é muito fácil me julgar, porque eu sou loiro, alto, sou bonito. Pareço um modelo e luto Jiu-Jitsu. Muita gente olha para mim e pensa: ‘esse é um baita de um playboy, esse aí não merece ser campeão’. Agora ninguém sabe que eu morei cinco anos na minha academia e o motivo que comecei a morar na academia era porque eu não tinha condições financeiras de me manter em uma cidade onde a minha família não morava. Eu paguei um preço real para ser campeão lá dentro e isso construiu a minha autoconfiança junto com as pessoas que estão ao meu redor, que é o meu professor Mário Reis, ele agrega muito para a minha cabeça. As pessoas que moraram comigo ali e hoje em dia não moram mais, elas também foram importantes. Eu usei da academia para me formar como homem, eu usei da academia para me formar um samurai. A autoconfiança vem disso, de tu abdicar de coisas que não agregam, que não são verdadeiras, pagar o preço. O sofrimento alimenta a coragem, já dizia ‘Racionais Mcs’.