Arte suave para mulheres: o machismo que não percebemos no dia a dia dentro do Jiu-Jitsu; leia e opine
* Eu não lembro bem onde vi, mas tem uma frase da Ronda Rousey que diz algo mais ou menos assim: “É seu direito estar ali. Não deixe que ninguém, que ninguém mesmo diga o contrário”.
Olha, ser mulher no Jiu-Jitsu nem sempre é uma coisa muito prazerosa, especialmente quando estamos em uma turma que tem maioria masculina, o que eu acho que acontece em 90% dos casos. São poucas as equipes que têm uma turma feminina grande. Dia desses, vimos o relato de uma aluna dizendo que foi proibida de participar do treino de competição, assim como outra garota. Não vou entrar muito no detalhe de como e porque isso aconteceu, mas é um fato.
Eu treino em uma equipe de competição (NS Brotherhood) e, desde que entrei, nunca fui proibida de entrar em nenhum dos treinos. Se houve rumores que um dia não pôde, não estava aqui na época. Mas ser expulsa de um treino de competição, eu diria que é o nível máximo dessa segregação. Vira e mexe eu fico “excluída” dos rolas por ser mulher, e isso acontece desde sempre. Passo por isso desde a faixa branca. É preciso se impor, provar todos os dias a sua motivação. E isso é muito cansativo, ter que explicar o óbvio.
O machismo é algo muito enraizado em nossa sociedade e muita gente cresceu aprendendo que ser machista é o certo. Uma vez, numa consulta com uma nutricionista, ela me disse: “E você não pode praticar um esporte de mulher, não?” Uma MULHER me disse isso. É algo absurdamente enraizado, e acredito inclusive que até os homens sofram de alguma forma com isso, quando por exemplo, dizem que chorar é coisa de mulher. Eles têm toda essa pressão de ser forte o tempo todo, não chorar, não mostrar suas fraquezas ao próximo. Fazer tudo “que nem homem”, entre outras coisas.
Obviamente, acredito que quem sofre é a mulher: assédio, violência, segregação, fora o fato de dizerem por aí que fulana trocou de faixa porque é namorada de fulano, ou porque tem um caso. Já provei por A mais B que não estava no tatame atrás de homem (porque já me disseram isso depois que entrei numa certa academia). Já provei que gosto de treinar e competir, não estava querendo marketing ou mostrar o corpo.
Eu tenho 75kg e faço o treino de competição das 12h30 aqui na Brotherhood, tento ir pelo menos duas vezes na semana. Eu não rolo com o Leandro Lo ou com o grupo dos pesados, porque meu professor divide o treino em grupos, e eu fico no grupo dos leves. Treino com faixas-azul, roxa, marrom e preta. O treino é dividido por peso, e não por gênero. Quando tem menina, eu treino com elas. Quando não tem, treino com quem der, porque apesar de ser “rejeitada” algumas vezes, eu nunca fico sem treinar.
Eu treino para me provar todos os dias que eu posso, que sou capaz de vencer a mim mesma. E se você é homem e quer falar sobre o tema, fale do machismo que você sofre: talvez tenha querido chorar e não pôde, talvez tenha querido dividir uma conta, mas na sua cabeça a obrigação é sua por ser homem.
Não fale do machismo que acontece no Jiu-Jitsu em relação à mulher porque você não sabe o que é isso. Você não sabe o que é ser excluído de um treino por ser mulher. Não sabe o que é ser assediado por um homem e não saber o que fazer, ou para quem falar. Não sabe o que é sofrer algum tipo de violência e ter vergonha disso. Não fale do que você não vive e nunca viveu, deixe isso para nós, mulheres.
Mas eu sei que isso não vai acabar tão cedo e está tudo bem também. É um processo de desconstrução, que leva tempo para entrar na cabeça, assimilar. Eu também já tive uma postura machista, porque aprendi dessa forma, mas me policio todos os dias para não ser essa pessoa que segrega, que classifica, que exclui. É um processo dentro de cada um para acabar. Mas estamos caminhando, e um dia chegaremos lá. Oss!
* Por Samanta Fonseca