Artigo: o que um atleta de alto rendimento no Jiu-Jitsu precisa para melhorar sua preparação física? Ítallo Vilardo explica

Artigo: o que um atleta de alto rendimento no Jiu-Jitsu precisa para melhorar sua preparação física? Ítallo Vilardo explica

* Quando comecei a trabalhar com preparação física de lutadores, tentei sempre colocar em prática o que aprendi sobre planejamento e periodização, modelos clássicos, ondulatórios, sempre usando como base o trabalho russo. Procurava fazer os ciclos de treino passando por resistência, força, velocidade e potência. Conquistei vários resultados, mas fui percebendo que não era só isso e que poderia ir além. Tinha que dar ao atleta o que ele precisava, não o que a literatura (e eu) queria.

Como eu também já fui atleta, pratico Jiu-Jitsu há mais de 20 anos e conheço bem o esporte, aproveitei isso e comecei a estudar a história do atleta, a forma dele lutar, posições preferidas, o lastro de treino que ele trazia e passei a potencializar isso no treinamento, mas sem abandonar a periodização, somente mudei o que daria a ele, que tipo de treino ele faria de acordo com as necessidades dele e no calendário competitivo dele. Atletas que tinham como características serem muito fortes, optei por deixá-los mais fortes ainda, dando bastante ênfase em potência e recuperação, com a capacidade de manter aquele padrão de força.

Alguns atletas apresentam um ritmo de luta que se mostra o mesmo do início ao fim, não explodem o tempo todo, não fazem muita força e mantém a mesma movimentação a luta toda. Nesse caso, o objetivo era manter o condicionamento do atleta o combate inteiro, controlando, dando opções para que se fosse necessário produzir força ou explodir durante a luta, mas ele sempre aguentaria o ritmo e o gás não ia faltar.

Tenho alguns exemplos disso: quando trabalhei com o (Ricardo) De La Riva, conhecido por sua grande capacidade técnica e uma guarda intransponível, o objetivo era reforçar e melhorar a movimentação de guarda, deixando os ganchos ágeis e fortes, assim como as pegadas e força de tronco/CORE. Não adiantaria eu dar a ele força e potência, pois não eram a características dele.

Outros exemplos foram os trabalhos realizados com os atletas Felipe Costa e Caio Terra. Felipe se mantém no pódio em todas as competições que entra e já se sagrou campeão em dois torneios diferentes no mesmo final de semana, do Internacional de Master (fazendo lutas de 6 minutos) e, no dia seguinte, campeão adulto do Rio Open (fazendo lutas de 10 minutos), batendo peso nos dois dias. Quando comecei a treiná-lo em 2009, quis impor o modelo de periodização clássica, e logo surgiram problemas de manter o peso por causa do trabalho de força e eu não o tornaria um atleta explosivo e forte, pois essas nunca foram suas características, com isso procurei manter o peso e um nível de força bom para sua categoria, com uma ótima capacidade de manutenção e recuperação, conseguindo assim manter o ritmo a luta toda.

Já com o Caio Terra, depois de conversarmos, optamos por um trabalho somente dentro do tatame, tudo baseado em movimentação específica, estímulos, recuperação e só. Ganhamos diversas competições – e olha que além de ganharmos o Mundial e o Pan, ainda levamos os absolutos de algumas competições menores, mesmo pesando 57kg – e o Caio não levanta um peso sequer na preparação dele, os únicos exercícios que fizemos fora do tatame foram para fortalecer sua lombar e abdômen, de prevenção.

Já imaginou o treino de um campeão sem incluir nenhuma serie de musculação? Nem um supino de leve? Pois é, é possível sim, basta você dar ao atleta o que ele necessita, direcionar os treinos e organizar tudo. Assim como o trabalho com o Raphael Abi-Rihan, potencializo o que já é bom nele: força, explosão e o jogo em pé.

Vejo que muitos treinadores e preparadores físicos ou fazem “receita de bolo”, onde dão o mesmo treino para todo mundo (às vezes com a mesma carga inclusive), rasgando totalmente o princípio da especificidade e individualidade. Ou criam exercícios loucos, dizendo que serve para isso e aquilo, exercícios que você percebe que não são da característica do atleta, nem da modalidade (agachar em cima do bozu ou é trabalho de prevenção ou específico para surf/stand up paddle, mas não específico para lutas). Trabalhos em cima de protocolos fechados, onde fazem exatamente o que está ali não podem fazer parte do dia a dia dos atletas, pois somados às características da luta com as dos atletas, veremos padrões únicos, totalmente individuais. Às vezes o padrão de luta nos exige alternar força isométrica, potência, velocidade, movimentos agonistas e antagonistas quase que simultaneamente; e essa deve ser a realidade do treino.

Outro dia conversando com um aspirante a preparador físico de lutadores, escutei ele dizer que estava colocando os atletas, já profissionais, para nadar e correr, pois os atletas deviam experimentar e conhecer o máximo de movimentos possíveis, só que isso só funciona na infância, onde as crianças absorvem todo o tipo de movimento imposto a elas, não para profissionais. O que ele queria só é possível no filme “Rock III”…

Estude, especifique, planeje, crie seus próprios protocolos e de ao atleta o que ele precisa, torne melhor ainda o que já é bom.

* Por Ítallo Vilardo – Preparador físico especializado em esportes de combate. Instagram (aqui) e site (aqui)