Coluna Treinamento Desportivo: a cafeína pode melhorar o desempenho nos esportes de combate?

Coluna Treinamento Desportivo: a cafeína pode melhorar o desempenho nos esportes de combate?

* A cafeína é um dos suplementos mais consumidos no mundo (DA COSTA et al., 2021) e, de acordo com Pasa e Pasa (2017), o seu consumo é muito comum, pois está presente em diversos alimentos como achocolatados, refrigerantes, chás, bebidas energéticas, medicamentos e no próprio café. Pasa e Pasa (2017) estimam que 80% da população em geral faz ou já fez uso dessa substância de alguma das suas formas (café, refrigerantes, medicamentos, entre outros).

O primeiro estudo realizado com o intuito de analisar os efeitos da cafeína sobre a musculatura ocorreu em 1907 (RIVERS, WEBBER, 1907) e no artigo de revisão de Pickering e Grgic (2019) fica bem claro que na literatura científica a cafeína é um recurso ergogênico (que pode melhorar o desempenho).

No Brasil, os suplementos esportivos à base de cafeína podem conter a quantidade entre 210 e 420 mg por porção com o teor de 98,5% de pureza (BRASIL, 2010), e segundo Goldstein et al (2010), a recomendação é o consumo de 3-6 mg/kg de cafeína 60 minutos antes do início do exercício. E por melhorar o desempenho, essa substância foi considerada dopante em 1984, quando as entidades estabeleceram a quantidade de cafeína na urina de 15 mg/kg como proibida, sendo este limite reduzido para 12 mg/kg em 1985 (DEL COSO, MUÑOZ, MUÑOZ-GUERRA 2011). Atualmente, a cafeína não é mais considerada uma substância dopante (DEL COSO, MUÑOZ, MUÑOZ-GUERRA 2011).  

A cafeína tem mostrado efeito na medida em que a sua ingestão apresenta resultados na redução da dor muscular, aumentando o consumo de oxigênio durante o exercício e, assim, retardando a fadiga, principalmente pelo seu efeito lipolítico, que promove maior consumo de gordura, poupando o glicogênio muscular (HUNTER et al., 2002; WOOLF et al., 2008; GRAHAM et al., 2008). Nesse sentido, a cafeína melhora as atividades aeróbias, anaeróbias e a força (MIELGO-AYUSO et al., 2019; FETT et al., 2017; SALICIO et al., 2017).

Na musculatura, a cafeína possui o efeito de aumentar a liberação do cálcio do retículo sarcoplasmático, ou aumentar a sensibilidade das miofibrilas ao cálcio (TARNOPOLSKY, CUPIDO 2000), melhorando a contração muscular; no cérebro, ela age de forma antagonista aos receptores de adenosina, assim, aumenta a função neural (SILVA et al., 2020). Outro aspecto importante é o aumento da mobilização de ácidos graxos, diminuindo a utilização do glicogênio intramuscular como fonte de energia (SILVA, 2003). Isso é importante para os lutadores, porque ao controlar o peso corporal, a utilização de mais gordura poderá compensar a redução do glicogênio e auxiliar na perda de peso, sendo interessante para os atletas, porque níveis elevados de gordura corporal podem levar a uma lentidão nos golpes (PERÓN et al., 2009) e também porque os atletas são classificados por categorias de peso e estão sempre preocupados com isos (DUARTE et al., 2021).

Os estudos realizados com modalidades esportivas de combate em relação ao uso da cafeína são controversos. Segundo Coswig et al (2018), utilizando 6 mg/kg de cafeína 30 minutos antes do combate simulado de Boxe, os resultados demonstraram maior tempo em alta intensidade e maior quantidade de golpes desferidos; no estudo de Diaz-Lara et al (2016), atletas de Jiu-Jitsu tiveram aumento na força máxima de preensão manual, potência dos membros inferiores, quantidade de repetições no supino reto respectivamente, ambos quando comparados ao placebo. O estudo de Santos et al., (2014) com atletas experientes de Taekwondo foi observado no grupo que consumiu 5 mg/kg de cafeína retardo na fadiga. Em contrapartida, De Azevedo et al (2019) e Da Silva Athayde, Kons e Detanico (2018) não obtiveram resultados positivos no consumo de cafeína em atletas profissionais de artes marciais mistas (MMA) e judocas.

De acordo com Fett (2001), é importante tomar cuidado com altas dosagens, pois 15mg/kg causa nervosismo, tremores, insônia e desidratação. Outro aspecto importante quando se trata do consumo de cafeína são os efeitos colaterais que podem ocorrer, como: dor de cabeça, piora na qualidade do sono, aumento da pressão arterial, entre outros (PASA, PASA 2017). Os consumidores de café ou aqueles que consomem essa substância há algum tempo podem ter o efeito de tolerância (BEAUMONT et al., 2017), ou seja, aumentar as doses para ter o mesmo efeito. Além disso, o uso crônico causa dependência. Se houver interrupção do uso, poderá provocar mudança de humor, cefaléia (dores de cabeça) e fadiga no indivíduo (SILVA et al., 2020).

Com os diversos resultados contestados, recomendamos aos atletas que pretendem utilizar esse recurso ergogênico, testar incialmente no período de preparação para sentir como o corpo se comporta, sendo interessante o seu uso no microciclo de choque, porque é a semana de treinamento mais intensa. Todavia, se o rendimento for aumentado nesse período, consequentemente, o atleta terá a fadiga aumentada, sendo necessário um período adequado de recuperação dos treinos. 

Portanto, ainda existem lacunas (poucos estudos com esportes de combate) nessa temática, sendo necessários estudos que analisem esportes como o Kickboxing, Muay Thai, Sumo e Sambo, com análises técnicas e táticas (gravações analisando combates simulados), como testes de manifestações de força (isometria, força máxima e potência) para criar maiores evidências que ajudarão no trabalho dos atletas, treinadores, nutrólogos e nutricionistas esportivos. Para maiores informações em como utilizar a cafeína e a dosagem apropriada, recomendamos a consulta com um nutricionista.

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REFERÊNCIAS:

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