Coluna Treinamento Desportivo: o jejum intermitente em atletas é uma estratégia válida? Leia e opine

Coluna Treinamento Desportivo: o jejum intermitente em atletas é uma estratégia válida? Leia e opine

Por Stéfane Dias

Nesse artigo, convidamos o médico Dr. Eduardo Poloni Silveira, especialista em nutrição esportiva e faixa-preta de Jiu-Jitsu, para escrever juntamente com nossos colunistas sobre a utilização – ou não – do “Jejum Intermitente” em atletas.

A privação voluntária de alimentos por determinados períodos é praticada em diversas culturas desde a antiguidade. No Islamismo, por exemplo, deve-se abster de líquidos e comida do nascer ao pôr-do-sol no mês do Ramadã. Estudos conduzidos nas últimas décadas identificaram vários efeitos fisiológicos do jejum periódico, como a autofagia (“autodigestão”) e o aumento de eficiência na utilização da gordura corporal como fonte de energia. Sob o rótulo de “jejum intermitente” (JI), também foram propostos benefícios da restrição alimentar periódica em emagrecimento, controle de fatores risco cardiovascular e melhora da imunidade, porém são cada vez mais frequentes dúvidas sobre sua eficácia como estratégia nutricional e seu impacto na energia necessária para treinos e atividades.

Tipos de jejum intermitente

Dentre as várias modalidades de restrição alimentar periódica, destacam-se os três tipos:

– Jejum em dias alternados (“Alternate-day Fasting”, ADF): alternam-se continuadamente 1 dia de dieta livre com 1 dia de jejum total. Também cabe nesta categoria a versão modificada, na qual ingere-se somente 400 a 600 kcal no dia de “jejum”, geralmente em refeição única. Estudos demonstraram impacto positivo em indivíduos obesos ou com sobrepeso, como melhora de níveis de colesterol e triglicerídeos e perda de peso. Embora haja grande variação no emagrecimento (3% a 8% de redução ponderal em 2 a 12 semanas), há indícios de que este ocorra sobretudo pela diminuição de gordura visceral. Algumas análises também demonstraram resultados na perda de peso em indivíduos não-obesos, entretanto os efeitos são mais discretos e os dados ainda não são conclusivos.

– Jejum alternado modificado (“Modified Fasting”, MF): semana dividida em 2 dias não-consecutivos de restrição severa (apenas 20 a 25% da necessidade calórica diária) e 5 dias de alimentação livre. Também chamado de “dieta 5:2”, teve grande popularidade em alguns países a partir de 2013. Apesar de haver estudos indicando alguns efeitos positivos semelhantes ao ADF, apresenta variabilidade de resultados ainda maior.

– Alimentação com restrição temporal (“Time-restricted Feeding, TRF): talvez a forma mais conhecida de jejum intermitente devido à sua fácil aplicação, consiste na ingestão de alimentos em uma “janela de tempo” com duração típica de 8 a 12 horas/dia, seguida de jejum completo (exceto água e líquidos não-calóricos) no restante do dia. Numerosos estudos conduzidos durante o Ramadã em atletas muçulmanos geraram dados sobre o efeito deste tipo de “jejum intermitente” em atletas. Ressalte-se que no Islamismo também há a restrição ao consumo de líquidos em geral durante o jejum, o que representa estresse adicional para o indivíduo testado neste período.

Resultados de estudos do jejum em praticantes de exercícios e atletas

Alguns pontos básicos a se observar quando se pensa na adoção do JI como estratégia nutricional são: peso corporal (obeso, sobrepeso ou normal), nível de atividade física (sedentário, praticante de exercícios ou atleta) e o objetivo desejado (emagrecimento, definição corporal ou performance). 

É importante frisar que a imensa maioria dos resultados obtidos em estudos são em participantes obesos ou com sobrepeso, geralmente sedentários ou com baixo nível de treinamento. Estes indivíduos podem se beneficiar do JI devido à necessidades de controle de doenças associadas à obesidade, porém possuem demandas metabólicas e energéticas completamente diferentes de um atleta ou esportista amador. O déficit energético necessário para o emagrecimento de um indivíduo com sobrepeso pode gerar impacto negativo na performance de um indivíduo habituado a treinos frequentes e intensos. Outro ponto a se considerar é a que a ingestão de micronutrientes pode ficar desequilibrada caso não haja dieta estruturada nas refeições fora do jejum. Por exemplo, um indivíduo sem consumo adequado de frutas ou verduras aumentaria ainda mais seu déficit de nutrientes no período de jejum e nas horas de “dieta livre” poderia não corrigir adequadamente essas carências. Se no indivíduo sedentário esses déficits já podem ter consequências danosas à saúde, em um atleta pode comprometer todo o resultado do ciclo de treinamentos.

Ainda são escassas as investigações científicas sobre o jejum intermitente em praticantes de exercícios ou atletas, e há grande diferença nos protocolos. Tipicamente o modelo TRF (alimentação concentrada em “janela” diária de 8 a 12 horas) tem sido o mais testado, principalmente durante o Ramadã. Os resultados apontam para um aumento da oxidação (“queima”) de gordura sobretudo durante as fases iniciais do jejum, porém efeitos negativos nos seguintes aspectos de performance têm sido demonstrados: força isométrica, desempenho em “sprints”, capacidade aeróbia, capacidade anaeróbia (Wingate) e potência muscular de braços e pernas3. Devido à curta duração dos estudos (geralmente 2 a 8 semanas), pouco ainda se sabe sobre o impacto do JI por períodos prolongados em desempenho esportivo ou composição corporal.  

Apesar dos indícios atuais apontarem para ausência de benefícios desta estratégia na performance esportiva, muitos praticantes de exercícios têm aplicado o JI com o objetivo de diminuição do percentual de gordura corporal, e esse é outro ponto importante a ser discutido. Sabe-se que a preservação da massa muscular é condição básica para tal “definição corporal”, mas a privação de alimentos por tempo prolongado conflita com conceitos essenciais para a desenvolvimento dos músculos. Por exemplo, para otimizar a construção e recuperação muscular é recomendada ingestão de proteínas em quantidades adequadas e de forma fracionada ao longo do dia, preferencialmente em intervalos de 3 a 4 horas4, o que torna-se inviável em um praticante dos modelos habituais de jejum intermitente. Um dos raros estudos5 realizados com JI em praticantes de musculação avaliou 34 homens com ingestão calórica semelhante, divididos em 2 grupos: “jejum 16/8” (refeições 13:00, 16:00 e 20:00) e dieta “normal” (refeições 08:00, 13:00 e 20:00). Salientando-se que até mesmo o grupo denominado “normal” não realizou o fracionamento recomendado da ingestão proteica, houve certa perda de gordura sem diferença significativa de massa magra entre os grupos, porém no grupo “jejum 16/8” foi demonstrada redução dos níveis de hormônios (T3, testosterona, IGF-1) importantes para a composição corporal e desempenho, o que potencialmente poderia trazer consequências adversas para performance esportiva a médio e longo prazo.

Sendo assim, a aplicação do JI em atletas possivelmente seria indicada apenas por motivos religiosos (ex.: Ramadã) ou em casos excepcionais, como alternativa para perda ponderal em fases de menor intensidade ou volume de treinos. Em ambos os casos, recomenda-se adotar esta conduta por tempo limitado e de forma supervisionada, observando-se atentamente os seguintes pontos:

– buscar orientação profissional para estruturar as refeições da “janela alimentar” de acordo com a Ingestão Diária Recomendada (IDR) de proteínas, vitaminas e minerais, compensando eventuais déficits de que ocorram nas horas de restrição;

– ajustar a periodização de treino para que os ciclos de maior volume ou intensidade não ocorram durante a época do jejum;

– programar o horário de treinos preferencialmente para o período da “janela alimentar”;

– manter boa hidratação mesmo nas horas de jejum;

– monitorar frequentemente a recuperação e desenvolvimento muscular, mantendo o treinamento resistido (ex.: musculação);

– avaliar parâmetros de desempenho físico como força, resistência, capacidade aeróbia e anaeróbia, aumentando a ingesta calórica ou mudando para outra conduta alimentar em caso de queda de rendimento.

Conclusão:

Não há um modelo único de “jejum intermitente”, e os estudos demonstram que essa estratégia provavelmente conflita com os objetivos da grande maioria dos atletas. Apesar de poder ser considerado um recurso adicional no tratamento de pacientes com sobrepeso e obesidade, revisões recentes1 demonstraram que mesmo nessas populações a perda de peso não é superior à restrição calórica convencional. Deve-se compreender também que muitas pessoas simplesmente não toleram ficar por horas ou dias a fio com privação alimentar, e essa conduta rígida pode ser fator desencadeante de transtornos alimentares. 

Observação:

Lembre-se, a melhor estratégia nutricional sempre é aquela definida sob orientação profissional especializada, planejada de acordo com seus objetivos, características individuais e rotina de exercícios, buscando resultados, mas preservando a saúde acima de tudo. Para maiores informações acesse www.synmed.com.br.

Dr. Eduardo Poloni Silveira é Médico, Especialista em Nutrologia (ABRAM/CFM), Especialista em Exercício Clínico pelo ACSM, Especialista em Nutrição Esportiva pelo International Society of Sports Nutrition, Faixa Preta de Jiu-Jitsu e Proprietário da Clínica Synergie.

Instagram: https://www.instagram.com/edupoloni/

Referências:

  1. Patterson RE, Sears DD. Metabolic Effects of Intermittent Fasting. Annu Rev Nutr. 2017;37:371-93.
  2. Johnstone A. Fasting for weight loss: an effective strategy or latest dieting trend? Int J Obes (Lond). 2015;39(5):727-33.
  3. Bouhlel H, Shephard RJ, Gmada N, Aouichaoui C, Peres G, Tabka Z, et al. Effect of Ramadan observance on maximal muscular performance of trained men. Clin J Sport Med. 2013;23(3):222-7.
  4. Kerksick CM, Arent S, Schoenfeld BJ, Stout JR, Campbell B, Wilborn CD, et al. International society of sports nutrition position stand: nutrient timing. J Int Soc Sports Nutr. 2017;14:33.
  5. Moro T, Tinsley G, Bianco A, Marcolin G, Pacelli QF, Battaglia G, et al. Effects of eight weeks of time-restricted feeding (16/8) on basal metabolism, maximal strength, body composition, inflammation, and cardiovascular risk factors in resistance-trained males. J Transl Med. 2016;14(1):290.

Colunistas:

Stéfane Dias: PhD em Treinamento Desportivo – Rússia e Professor da Keiser University – USA/ e-mail: [email protected]/ Instagram: https://www.instagram.com/dr.stefanedias/

Fábio Vieira: PhD em Ciências do Movimento Humano e Professor do Centro Universitário UNIVAG – e-mail: [email protected] – Instagram: https://www.instagram.com/fabiosfvieira/

Diego Lacerda: Mestre em Treinamento Desportivo – Rússia – e-mail: [email protected] – Instagram: https://www.instagram.com/diegolacerdatkd/

Pavel Pashkin: Mestre em Treinamento Desportivo e Treinador Profissional de Sambo – Rússia – e-mail: [email protected] – Instagram: https://www.instagram.com/pashkinpavel