Medalhista paralímpico na Rio 2016, Fabio Bordignon pede mais políticas públicas para o esporte
Ser atleta no Brasil é uma missão quase impossível. Se for paralímpico, a situação piora ainda mais. Fabio Bordignon venceu diversas barreiras e se tornou referência no atletismo, com direito a duas medalhas de prata nas Paralimpíadas Rio 2016 e um bronze no Mundial de 2017, em Londres (ING). Atualmente ele está treinando com a seleção brasileira da modalidade, no CT Paralímpico Brasileiro, em São Paulo, um dos maiores do mundo.
Aos 30 anos, Fábio está na primeira prateleira do esporte brasileiro. As dificuldades ainda são muitas, mas não se comparam as que ele enfrentou no início de sua carreira. Um dos principais problemas de quem sonha ser um atleta profissional são os custos para competir, como inscrição em competições, transporte, alimentação e hospedagem, para citar os mais básicos.
“No Brasil, o atleta de alto rendimento é tratado como uma pessoa autônoma, uma pessoa que não é profissional. Isso é muito ruim, porque a gente dedica o dia inteiro, com horas e horas semanais de treinamento. Trabalhamos igual a um profissional, mas as pessoas não reconhecem. Então, fica parecendo um hobby e não uma profissão”, explica o atleta que também conquistou um ouro e um bronze no Parapan-Americano de Lima, no Peru, em 2019.
As políticas públicas são fundamentais, não só para o crescimento do atleta, mas também para que ele seja inserido como um profissional comum na sociedade. Por isso, programas como o bolsa atleta e leis como a Compete Rio, inspirada em um projeto similar de muito sucesso em Brasília, impulsionam o esporte no Brasil.
“Leis como a Compete Rio obrigam esse incentivo ao esporte e tiram muitas preocupações dos atletas em funções secundárias. De fato, vai ajudar muito. É uma lei que fornece aos atletas de alto rendimento, por meio de suas federações, custos com passagens aéreas, alimentação, hospedagem e inscrição, entre outros, para as competições”, salienta Fábio, acrescentando que o ganho ultrapassa a questão financeira:
“O lado psicológico do atleta tem de estar muito focado em apenas executar aquilo que foi treinado e muitas das vezes o atleta não pensa somente nisso e outras preocupações acabam atrapalhando o seu resultado. Além de ser um incentivo para as crianças que passam a ter essa mentalidade de que ser atleta é uma coisa boa e você acaba tirando muitas crianças da rua e do caminho da criminalidade”.
A ampla consciência de Fábio foi construída por meio de sua experiência de vida e também pelo esporte, que possibilitou viagens para cidades do Brasil e do exterior. Vivências que lhe mostraram a importância de investimentos pesados no esporte por parte do governo como um caminho para o desenvolvimento, assim como fazem as potências mundiais.
“Nos Estados Unidos, atletas desde a sua primeira infância, com 4, 5 anos já são introduzidos no esporte, mesmo que de forma inclusiva, como uma brincadeira. Os pais são obrigados a colocar as crianças no esporte porque sabem que vai haver retorno, não somente financeiro, mas social também. É um crescimento como pessoa. O esporte não é somente no campo, no tatame, no ringue, na pista, enfim, é muito mais do que isso. É vida, educa, traz disciplina, foco, garra, determinação e te ensina a ser um ser humano melhor. Falta incentivo ao esporte numa primeira infância, no alto rendimento, para que o Brasil capte muitos atletas. Olha quantos atletas perdemos nas favelas. Eu vim de uma favela no Rio de Janeiro. Imagina quantos atletas existem por aí, como o Bolt, o Neymar, o Ronaldinho, a Rafaela Santos… Imagina quantos nós perdemos para a criminalidade”, questiona.
Exemplo de perseverança, Fabio poderia ter ficado pelo meio do caminho se insistisse em jogar futebol de 7. A mudança para o atletismo talvez tenha suas raízes nas previsões de sua bisavó, que disse com todas as letras que ele seria um grande atleta, mesmo com a sua deficiência física.
“Ela jogava a bola para mim e falava para a minha mãe e para todos os meus parentes, primos, amigos e familiares que eu seria um grande atleta. E que eu chutaria a bola pelo mundo inteiro”, relembra ele.
Depois de ser campeão da Copa América e do Parapanamericano juvenil pela seleção e conquistar vários resultados individuais, como melhor jogador e artilheiro, ele parou de ser convocado.
“Eu comecei a me entregar para não querer mais o esporte na minha vida. Foi aí que o atletismo apareceu como uma luva e como um refúgio. A mudança foi muito difícil pela diferença muito grande entre as modalidades, por mais que tenham algumas semelhanças. Só que o atletismo é muito específico, exige nas provas uma velocidade contínua em 100 metros. Exige um treinamento constante e bem diferente do futebol”.
Os resultados, no entanto, foram relâmpagos. “Em menos de dois anos consegui realizar o sonho de disputar os Jogos Paralímpicos do Rio e ainda ter sido medalhista em duas provas em casa e ganhar medalha no Mundial, resultados que eu não tinha no futebol de 7”, encerra o bisneto da Dona Marluce Correia.