Referência dentro e fora dos tatames, Sylvio Behring abre o jogo sobre sua trajetória no Jiu-Jitsu e analisa futuro do esporte; confira
* Faixa-coral oitavo grau, criador do Sistema Progressivo de Jiu-Jitsu e do GPCI (Gerecimento Progressivo de Comportamento Inconveniente) – ao lado de Helder Andrade –, presidente da CBJJD, referência em Defesa Pessoal, respeitado e uma das pessoais mais admiráveis no meio da arte suave. Este é apenas parte do currículo de Sylvio Behring, que aos 57 anos, segue trabalhando constantemente em prol do esporte. Nesta edição, Sylvio é o destaque, e claro, batemos um papo especial com ele.
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Nascido no dia 31 de março de 1962, Sylvio deu seus primeiros passos no Jiu-Jitsu quatro anos depois, em 66, no Rio de Janeiro, incentivado pelo pai e Grande Mestre, Flávio. Oriundo da linhagem Gracie/Barreto, teve o GM Álvaro Barreto como seu principal professor, e hoje, compartilha os ensinamentos que aprendeu e aperfeiçoou ao longo dos anos. “Atualmente eu vivo de manter minhas consultorias, os afiliados pelo mundo, qualificando e certificando todos os alunos. Formando professores que preservem o conceito do Jiu-Jitsu essência, mas sem deixar de acompanhar o Jiu-Jitsu moderno”, contou o casca-grossa.
Nessa entrevista à TATAME, Sylvio, além de contar sobre sua trajetória na arte suave, fala da criação do Sistema Progressivo de Jiu-Jitsu, os principais diferenciais entre ser atleta e professor, o esporte atualmente, o que espera para o futuro da arte suave e muito mais. Palavras de quem sabe! Confira a seguir:
– Aos 57 anos, você tem mais de 50 dedicados ao Jiu-Jitsu, muitos deles à propagação do esporte. Como começou sua trajetória?
Eu comecei a treinar em 1966, no Rio de Janeiro, com os GMs João Alberto e Álvaro Barreto. Fiquei lá até os 11 anos, quando me mudei para São Paulo e treinei na academia do GM Gastão Gracie. Voltando para o Rio, aos 16 anos, regressei para a academia do Álvaro Barreto e cai dentro, pegando minhas faixas laranja, azul, roxa, marrom e preta, começando a competir. Durante esse período também comecei a treinar Judô e viajar, passando por Portugal e pelo Nordeste. Inauguramos ainda a primeira academia Behring Jiu-Jitsu, no condomínio Nova Ipanema, no Rio, onde fiquei até 1992, sempre com o Álvaro. Quando saí, passei por um período em São Paulo, na Master (atual Alliance), e em 1995 retornei com a morte do meu irmão (Marcelo). Tive um ano depois meu primeiro seminário na Europa, em Zurique, e comecei a viajar, passando por Canadá, Rio Grande do Sul, Estados Unidos, entre muitos outros lugares. Em 2001 eu tive o meu primeiro aluno campeão mundial na faixa-preta, o Márcio Corleta, que abriu as portas para virem Fabrício Werdum, Mário Reis, Zanza e vários outros campeões. Já em 2005, fui convidado pelo Werdum para treiná-lo com o Mirko Cro Cop, na Croácia, regressando ao Rio em 2006 e iniciando ali meu trabalho na X-Gym, onde trabalhei com várias feras e fiquei até 2015, quando parei de dar aulas e comecei a atuar mais com consultoria, graduação e seminários com afiliados pelo mundo, com foco no GPCI e no Sistema Progressivo de Jiu-Jitsu.
– Com uma vasta carreira internacional e dezenas de países visitados através do Jiu-Jitsu, vê o esporte global?
Com certeza. Hoje em dia dificilmente tem lugares onde não existe o Jiu-Jitsu. Na época em que eu comecei você contava nos dedos e conhecia todo mundo que treinava, quem competia, tudo um do outro. O círculo era muito fechado. Hoje o esporte explodiu, mas perdeu-se também um pouco no contexto. As academias preservavam o lado do conteúdo programático, que era o que fazia o aluno se apaixonar, a Defesa Pessoal, e depois que o esporte ganhou reconhecimento e virou destaque, tornar-se campeão passou a ser a visão do cara de fora, o foco mudou. Muitos dos que começam atualmente querem ser campeões, dar entrevista, mídia, isso que empodera… A fraca formação dos professores no sentido da defesa pessoal também colabora, mudando o objetivo de se defender para ser campeão.
– Quais são os principais diferenciais nos papéis de professor e atleta?
O atleta é o cara do foco, precisa estar com a vida regrada, alimentação, treinamento, disciplina, onde ele tem que projetar objetivos e ir atrás deles. As vitórias são conquistadas bem antes das competições; e o professor é a gentileza, a empatia, se colocar no lugar do outro, ter a condição de enxergar o outro com sua individualidade. Ver cada aluno como diferente, especial, e assim alcançar o pleno potencial dele.
– Como vê a importância da Defesa Pessoal dentro do Jiu-Jitsu?
É a base do Jiu-Jitsu. É através dela que você encontra caminhos de alavanca que vão ser super úteis lá na frente na parte esportiva, mas que se tornam muito complexos para se ensinar no início. É tanta informação de luta de chão, que a base da Defesa Pessoal é facilitadora nesse processo. Sem defesa pessoal é muita coisa para aprender, e aí a habilidade natural e o tempo de tatame da pessoa é que vão fazer a diferença. Eu preservo a Defesa Pessoal, aquilo que aprendi, e procuro sempre me atualizar. Sou grato aos meus mestres e ao Rickson Gracie, meu amigo, pelo tempo que ele gasta sempre dando uma atenção para me ajudar, corrigir, dar uma força… Eu sendo uma referência ou não, sempre tem muito o que melhorar, ajustar, continuar aprendendo. Com humildade e sinceridade, é preciso reconhecer a necessidade de não se acomodar e seguir melhorando.
– O Sistema Progressivo de Jiu-Jitsu é um dos pontos de destaque do seu trabalho. Como se deu a sua criação? E seu funcionamento?
O Sistema Progressivo é uma coisa que foi acontecendo. Eu comecei a desenvolve-lo com o intuito de tentar imitar o GM Álvaro Barreto e multiplicar a qualidade de aula que ele conseguia colocar no tatame. Ele me fez daquela forma, fez vários outros ótimos professores, mas não tantos assim, então quando eu comecei a dar aula na Corpo 4 e a coisa a crescer, o número de alunos explodiu, cheguei a ter 250, vi essa necessidade. Era uma equipe grande de professores para atender 10h de tatame por dia, sempre cheio. A gente conseguiu, através do Sistema Progressivo, essa multiplicação de resultados. Foi tudo fruto dessa experiência na Corpo 4, que levei como iniciação, e depois, seguindo meu caminho, viajando, virou um sistema. Eu deixava o Sistema, ele próprio cozinhando enquanto eu estava viajando. Quando retornava, eu checava se estava tudo no lugar, certinho, e aperfeiçoava um pouco. Os fundamentos eram revisados sempre, e fazendo isso a gente ia avançando em outras informações de acordo com o resultado obtido. Eu dei a sorte grande de pegar muitos caras bons no início também, então foram cobaias de sucesso como Zanza, Márcio Corleta, Werdum e muito mais, gente pra caramba (risos). Hoje me sinto um orientador, quase um consultor na verdade, mas com participação constante.
– Por fim, como vê o cenário do Jiu-Jitsu atualmente? O que espera / deseja para o futuro do esporte?
Espero que as pessoas parem de olhar para o seu próprio umbigo o tempo todo e olhem para o esporte, o futuro dele. Hoje tem muita babação de ovo, muito bonito, legal, você é campeão, é isso, aquilo, homenagens, mas atuando mesmo, se doando pelo esporte – não digo nem a parte social, com projetos, aulas em comunidades, porque isso é obrigação nossa -, poucos. É preciso fazer o dever de casa, que é unir os atletas para o esporte se tornar uma coisa única. Essa disputa entre instituições só nos faz perder tempo. Eu trabalho em uma entidade com o maior prazer porque as outras não comportam aquilo que a gente acredita que deve ser feito, mas as dificuldades também são grandes. O mercado tende ao caminho da competição, da medalha, babação de ovo, do campeão sendo referência, mesmo alguns com posturas completamente erradas, com péssimas atitudes sociais, mas ainda assim seguem destaques, vistos como referência pra uma grande juventude. Aí acontece isso, um monte de moleque perdido seguindo caras que não tem a menor condição de dar apoio a ninguém como exemplo. Espero que melhore, que sejamos mais radicais nas cobranças em todos os sentidos. Se falta educação, tem que ter punição.
* Por Diogo Santarém