Faixa-preta brasileiro lança livro de Jiu-Jitsu voltado para crianças e explica proposta: ‘Ensinar com o lúdico’

Faixa-preta brasileiro lança livro de Jiu-Jitsu voltado para crianças e explica proposta: ‘Ensinar com o lúdico’

* Faixa-preta brasileiro, Jiddu Bastos é o autor do livro “Playful Jiu-Jitsu: Aprender Brincando” e atualmente mora em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, onde também trabalha como professor da arte suave em escolas públicas.

Em entrevista à TATAME, Jiddu contou sobre o processo de criação do livro, o objetivo da publicação, além de relembrar sua trajetória no Jiu-Jitsu, que conta com 14 títulos conquistados competindo nos Emirádos.

Quem é o Jiddu Bastos?

Um rapaz que venceu a dislexia, se achava burro e com baixa autoestima, mas através das práticas corporais mudou completamente a forma de se enxergar. Passando por diversas artes marciais, entre elas duas marcantes, Capoeira e Jiu-Jitsu, desenvolveu segurança e uma autoestima tão grande que ele acredita que as práticas corporais são verdadeiras terapias, o caminho da educação, do tratamento de problemas de saúde psicológica e saúde física. Após essa mudança, ganhou diversas competições de Jiu-Jitsu e está terminando um Doutorado em Ciências do Desporto. Ele acredita que o ensino deve ser diferente do como se propõe nas atuais escolas. O ensino, ao invés de ser em série, com conteúdos que só servem para o vestibular e não para uso prático da vida, deve ser de forma integrada, com conteúdos do dia a dia como: plantar, construir casa, cozinhar, finanças, etc.

Confira o bate-papo:

– Como e por que começou a treinar Jiu-Jitsu? Quais seus títulos mais expressivos como competidor?

Comecei a treinar por influência de um grande amigo, o Sérgio. Ele me mostrava posições no tapete da minha casa. Durante essas mini aulas, ele disse que eu tinha mais talento do que ele para o Jiu-Jitsu, assim fiquei treinando Capoeira e Jiu-Jitsu, e com 3 meses de treino fui campeão da minha primeira competição. E isso foi um divisor de águas na minha vida, pois eu me sentia burro, tinha baixa autoestima, e pela primeira vez senti a sensação de ser campeão, isso me fez acreditar em mim, me fez ver que sou capaz. Então passei a me dedicar como nunca ao Jiu-Jitsu. Passei por lutas casadas em eventos de MMA, fiquei em segundo lugar na Copa do Mundo, em terceiro no Brasileiro, terceiro no World Pro, primeiro no Grand Slam, e entre várias competições na faixa-preta, acumulei 14 medalhas de ouro nos eventos nos Emirados Árabes Unidos. O mais interessante é que consegui realizar tudo isso sem deixar de estudar. Os meus pais me apoiaram muito nos estudos, e o meu primeiro professor de Jiu-Jitsu, o João Ramalho, conhecido como “Joãozinho Quebra-ossos”, me colocou para estudar, arranjou bolsa de cursinho por 3 anos até eu passar no curso de Educação Física da Universidade Federal da Paraíba. Acho que além dos títulos mais expressivos como competidor, os acadêmicos também importam: graduação em Educação Física, Mestre em Ciências do Desporto e atualmente terminando o doutorado.

– De onde surgiu a ideia de escrever um livro sobre metodologia infantil?

Durante minha vida acadêmica de graduação eu já pesquisava e atuava com Capoeira para deficientes mentais. E nas literaturas, a Capoeira se encaixava perfeitamente para este público, pois a Capoeira em si é ela lúdica, ela é um disfarce, é uma luta disfarçada de dança para que os senhores de engenho não percebessem que os escravos estavam treinando uma luta. Esse disfarce é uma faz de conta, é uma característica lúdica. Então, quando me mudei para os Emirados e comecei a dar aulas de Jiu-Jitsu no ambiente escolar como se dava numa academia convencional, e percebi que os alunos estavam desinteressados. E daí comecei a lembrar dessas aulas de Capoeira e das literaturas que falavam da importância de ensinar com método lúdico. Depois de um tempo, conversando com dois amigos, o Bruno Cezar e o Wesley Prado, sobre educação, sobre ensino e etc, Wesley me explicou como surgiu a escola e como esse modelo escolar perdura até os dias atuais. Foi um “boom” na minha cabeça e depois dessa explicação fui me aprofundar mais no assunto. Cada vez mais que eu pesquisava sobre isso eu compreendia como a escola é um ambiente pesado, que realmente não é atrativo para o aluno. Uma sala com uma grande quantidade de alunos, o aprendizado por horas sentado numa cadeira olhando para um quadro aprendendo através da abstração. Assim eu percebi que ensinar com o lúdico no ambiente escolar vai além de se preocupar com a satisfação do aluno, ensinar com o lúdico é uma revolução contra esse sistema, doutrinador e não emancipador. A criança que aprende com o lúdico ela se torna criativa, feliz, autônoma, perde o medo dos momentos de avaliação e aprende no momento de avaliação. Ensinar com o lúdico promove no aluno alegria, satisfação, interesse. Os alunos passam a se relacionarem melhor entre eles, o ambiente se torna mais leve tanto para o aluno, quanto para o professor. É um método sério, que muitos professores acham que sabem aplicá-lo por não se aprofundarem no tema. Chamo isso de amadorismo pedagógico. E após comprovar isso na prática, decidi escrever esse livro para que quem o ler, entenda como é o ambiente escolar até hoje e compreenda como atuar com método lúdico. Por fim, tem uma proposta de jogos desenvolvidos durante todo esse processo de pesquisa de mestrado e doutorado. Proposta de jogos de lições de Jiu-Jitsu que também servem para outras práticas corporais.

– Você sentia dificuldades em dar aulas para crianças? É muito diferente ministrar aulas entre adultos e crianças?

Sentia sim e muita. Primeiro eu não sabia como atuar nas diferentes etapas de desenvolvimento da criança. Cada estágio (veja abaixo) necessita de estímulos diferentes de didáticas específicas para cada etapa dessa. Quando compreendi isso, minhas aulas passaram a ter melhores resultados. Falando sobre a diferença entre aulas de criança e adultos, para que você compreenda resumidamente, o termo pedagogia é tudo relacionado ao universo de educação infantil e andragogia é tudo relacionado ao universo de educação para adultos.

Estágio sensório-motor (0 a 2 anos);
Estágio pré-operacional ou simbólico (2 a 7 anos);
Estágio operatório-concreto (7 a 11/12 anos);
Estágio operatório-formal (a partir de 12 anos).

– O que você acha do Jiu-Jitsu como disciplina escolar?

Acho que o Brasil deveria se espelhar nisso, pois temos duas práticas corporais surgidas no Brasil: a capoeira e o Brazilian Jiu-Jitsu. A educação brasileira perde autenticidade quando não coloca essas duas práticas corporais no seu currículo escolar. Se tem muito a ensinar através delas. E isso foi feito aqui nos Emirados, as crianças vivenciam o Jiu-Jitsu tanto na educação, como no desporto. Ou seja, a criança desfruta do Jiu-Jitsu em todos os aspectos. O mais interessante que eu acho é com o Jiu-Jitsu na escola se cria uma comunidade. Não se tem isso nas outras disciplinas, por exemplo: não tem uma comunidade da matemática, onde os alunos por eles mesmos se interessam em participar de aulas extra curriculares, formar um time, formar um clube, sair em jornalzinho da escola, etc. O Jiu-Jitsu faz isso. Isso é o que mais me chama atenção. Os pais dos alunos nos ligam pra saber sobre seus filhos. O Jiu-Jitsu na escola transborda o muro escolar e atua nos bairros, na sociedade. Isso é maravilhoso!

– Você acha que a sua formação profissional ajudou no entendimento e compreensão para escrever o Playful?

Com certeza. Com a maior formação profissional pude realmente realizar uma práxis, pude testar a teoria na prática e escolher o que melhor funciona na teoria e na prática para minhas aulas. Isso foi o que fundamentou o livro Playful Jiu-jitsu, que surge dessa práxis.

– O objetivo do livro, por ser em português, visa apenas os professores brasileiros ou há versões em outras línguas?

A versão em inglês está quase pronta, ela está passando por uma segunda revisão de tradução para se manter o mais fiel possível ao livro em português. O objetivo do livro é trazer consciência aos docentes ou a qualquer interessado no assunto, entregando uma consciência de que o nosso sistema escolar precisa ser melhorado em muito aspectos. Culpam muito o docente, mas acreditem ele também é uma vítima desse sistema político, social e educacional. Então ao compreender o universo educacional que estamos inseridos, o docente pode mudar sua forma de ensinar. Os responsáveis pelo corpo escolar devem dar ouvidos aos professores. Os pais dos alunos, as escolas e os políticos precisam dar ouvidos aos professores para que possam mudar de forma significativa a educação.

– Quais os feedbacks que você tem recebido?

Os mais positivos possíveis. Os alunos se mostraram mais interessados, mais satisfeitos e sim, passaram a aprender mais. Dos docentes que passaram atuar com a metodologia lúdica, me mandam mensagens de agradecimento, relatam terem mais controle nas aulas, relatam que para eles mesmo as aulas e o ambiente de trabalho tornaram-se mais divertidos, mais leves. Tive também uma diretora da escola que era inglesa, ela adorava ver as aulas de Jiu-Jitsu com o método lúdico. Adorava dialogar comigo e ouvir minhas ideias sobre o método lúdico.

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  • Texto por Bruno Carvalho