Artigo: como lidar com as ‘transformações’ do adolescente nas academias de artes marciais? Saiba mais
Novo artigo publicado na TATAME fala sobre como os professores de artes marciais podem lidar com os adolescentes nas academias; veja mais
Artigo trata sobre como o professor de artes marciais deve lidar com temas envolvendo drogas e alcoolismo (Foto: Reprodução/@henriquesaraivajj)
* O adolescente não sabe direito quem ele é. Percebe que deixa de ser criança, mas não sabe bem o que está se tornando, pois ainda não é um adulto. Ficam perdidos nessa transição do mundo infantil, não tem noção das responsabilidades e, ao mesmo tempo, sente-se atraído pelo mundo dos adultos.
A adolescência é um processo natural e saudável. É o momento em que se inclui a socialização, que o indivíduo se identifica com a sociedade sem perder a espontaneidade. Muitos pais e professores se esquecem de que todos nós já fomos adolescentes e já tivemos diversas crises existenciais. Basta ouvirmos pais ou professores criticarem os adolescentes para percebermos suas dificuldades. E, assim, saberemos mais daqueles (professores, pais) que fizeram as críticas sobre o adolescente, e ainda, seguiremos sem saber do próprio adolescente.
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Dessa forma, não se diz quem é o adolescente sem escutá-lo. Somente eles poderão nos dizer. Os adolescentes, seja qual for sua criação, tendem a ser mais dramáticos ou sensíveis aos estímulos externos. Em poucos minutos, pode tornar-se alegre, carinhoso, em outros momentos do dia, “gritos, reclusão e declaração de ódio”. Lembrando que essas alterações variam de indivíduo para indivíduo; cada adolescente vai apresentar suas características. Alguns com mudanças bem significativas, outros com mudanças mais lentas e discretas.
De acordo com Winnicott (2005 {1968}, p. 153), quando chegam à adolescência, meninos e meninas apresentam um modo irregular e desajeitado da infância, tendo de lidar com a ansiedade proveniente do desenvolvimento de sua capacidade sexual. É o período em que os estágios primitivos são revividos, mas, agora, acrescido de uma força que não existia antes, a física e a sexual.
É necessário permitir que o adolescente seja capaz de amadurecer no seu tempo. Isso certamente demandará tolerância e cuidado por parte dos pais, professores e da sociedade. A adolescência é marcada pela tentativa de elaboração interna, na qual o adolescente brinca de ser adulto. É no brincar que o adolescente experimenta sua liberdade de criação.
“Até chegar à adolescência temos o “trauma do desmame”, do treinamento de asseio pessoal, da supressão dos maus hábitos e, finalmente, o mais importante de todos, a passagem da criança à vida adulta” (Ferenczi, 1928). O trauma no adolescente estabelece uma “confusão” com a qual se funde a perda da infância para ganho incerto da vida adulta. Um desamparo se estabelece e toma partido nos fantasmas do inconsciente vagando nas identificações e laços sociais para o advir de uma nova forma de ser sujeito.
Invadido por um corpo estranho, um corpo violento, nos arredores da pulsão, inquieta, que recai sobre um corpo exige satisfação, o adolescente busca algum saber no OUTRO, sejam eles os pais, professores e demais mestres dos discursos (Otoni, 2013).
Por esse motivo, o professor de artes marciais precisa buscar conhecimentos sobre como agir diante das transformações do aluno adolescente. Geralmente, recorrem aos OUTROS (qualquer pessoa), em busca de empréstimo de significante para simbolizar esse momento que é um problema individual.
Quando este outro não lhe escuta e lhe recusa, além de agir covardemente com o desejo à solta do adolescente, ele promove confusões de línguas, e aí o adolescente busca, sem saber onde, novas linguagens. Deslocam loucamente a busca, que é uma busca sexual, de vida e supõe, no OUTRO, ainda, o porta-voz da palavra que entra em choque com o corpo pulsional. A discórdia da linguagem eleva-se, em alto e bom som. (Otoni, 2013).
Muitos pais e professores não ouvem os adolescentes como deveriam, pois os julgam e moralizam, não há também mais ritos de passagem. As transmissões da cultura e de tradições se perderam em algum lugar. E sabemos que ali onde se ausenta o exercício da língua, a obscuridade deverá agir.
Aquilo que os pais idealizam aos adolescentes, muitas das vezes, é o renascimento da própria idealização infantil abandonada, não elaborada. Basta fazer uma análise do comportamento dos pais nos treinos. Infelizmente, homens e mulheres, ambos adultos, comportam-se da mesma maneira do adolescente em transição, não ajudando o professor e piorando a situação do filho, que espera do “OUTRO”, maturidade e orientações, e não um comportamento infantil em transição para adolescência, piorando a situação daquele que mais precisa no momento, “O Adolescente”. É necessário que adultos saibam separar seu desejo daquele do adolescente.
Partimos do pressuposto de que a família é fundamental para o desenvolvimento físico-motor e psíquico da criança e do adolescente: é na família que se deveria receber proteção, afeto, alimentação e os cuidados básicos necessários para a sobrevivência e proteção integral de seus membros. Mesmo considerando que o modelo de família vem se modificando na sua forma de estruturação nas últimas décadas.
Para Winnicott (1968/2005), na longa jornada de separar-se dos pais para estabelecer-se como indivíduo, é comum verificar no comportamento do jovem necessidades que incluem a dependência em direção à independência, isto é, movimentos de aproximação e afastamento. Nesse movimento, o adolescente rompe com o círculo de segurança (a família), mas, ao sair desse círculo, torna-se necessário que exista outro mais amplo para acolhê-lo (a sociedade), professores de todas as áreas. Além disso, é preciso que a família se mantenha presente e estável para que o adolescente possa voltar à sua necessidade de dependência.
Tudo isso se refere à necessidade dos adolescentes em ampliar seu círculo e contato social. Porém, a diferença baseia-se na possibilidade de, após aventurar-se, poder voltar para casa; apesar da rebeldia de ir embora, essa necessidade de retorno apoia-se na confiabilidade no ambiente, que se conserva durante toda a vida. Para Winnicott (1968/2005), é por meio dessa experiência que o adolescente tem a possibilidade de crescer e de existir, pois é muito difícil para ele elaborar seus conflitos internos, sem ajuda dos pais.
Por esses motivos, se faz necessário que os mestres e professores de artes marciais, dentre outras modalidades, tenham cautela e compreensão em relação aos conflitos de seus alunos adolescentes. Nem sempre é frescura ou preguiça, e sim uma transição mental e física complicada. Porém, se houver compreensão de ambas as partes, podemos percorrer esse percurso com leveza e responsabilidade.
Referências
- OTONI, F. Sozinhos na Ilha Deserta do Outro. In: A Violência: Sintoma Social da época (Org. Machado. Ondina; Derezensky. Ernesto). Belo Horizonte: Scriptum Livros, 2013.
- FERENCZI, S. A adaptação da Família à criança. In: Psicanálise IV. São Paulo: Martins Fontes, 1992,
- DIAS, E.O. A teoria do Amadurecimento de D.W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago, 2003.
- WINNICOTT, D, W. A criança no grupo Familiar. SP. Sandler, trad.) In Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes, 2005.________________, A Imaturidade do Adolescente. SP. (Sandler, Trad.). In Tudo Começa em casa. (p.145-163). São Paulo: Martins Fontes, 2005.
- Revista Psique, n° 51 Dossiê: Adolescentes precisam de espaço para se expressar, pag.36 / 51.
- Portal educação, Disponível: O que é ser um adolescente? – Portal Educação (portaleducacao.com.br), Acesso no dia 28/03/2022.
Quem sou eu? Mônica de Paula Silva, também conhecida como Monica Lambiasi, é graduada em Pedagogia desde 2004. Concursada pela Prefeitura de Embu Guaçu – SP, atua há 13 anos como psicopedagoga clínica, área na qual é pós-graduada desde 2006. Em 2008 concluiu pós-graduação em Didática Superior, e em 2009 concluiu pós-graduação em Educação Especial e Educação Inclusiva. Já em 2017 concluiu pós-graduação em neuropsicopedagoga, e atualmente estuda psicanálise e neurociência. Também é escritora.
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* Por Mônica de Paula Silva