Segundo faixa-preta de Murilo Bustamante, Ricardo Guerrinha fala sobre trajetória e vida nos EUA

Segundo faixa-preta de Murilo Bustamante, Ricardo Guerrinha fala sobre trajetória e vida nos EUA

Por Mateus Machado

Atualmente morando nos Estados Unidos, onde é um dos responsáveis pela equipe Start Brazilian Jiu-Jitsu, Ricardo Guerra tem história de sobra para contar sobre sua trajetória na arte suave. Entre o início no Judô e a paixão pelo Surfe, Guerrinha, como é popularmente conhecido, se viu fascinado pelo Jiu-Jitsu ainda jovem e, desde então, construiu uma longa caminhada, repleta de vitórias e momentos marcantes.

Segundo faixa-preta formado pela lenda Murilo Bustamante, Ricardo relembra com alegria os ensinamentos e lições adquiridos com o seu professor. Dando aulas desde 1997, Guerrinha se tornou Head Coach da renomada Brazilian Top Team, em São Paulo, onde esteve por cinco anos. Nos dias atuais, é responsável pela formação e desenvolvimento de atletas no estado americano de Maryland, e em entrevista à TATAME, contou sobre sua trajetória no Jiu-Jitsu e sua rotina como professor.

Confira a entrevista na íntegra: 

– Como se deu o início de sua trajetória nas artes marciais?

Na realidade, minha primeira arte marcial foi o Judô, levado pelo meus pais, acredito que como a maioria das crianças da minha geração. Eu comecei no Jiu-Jitsu em 1990, com 14 anos, por influência de alguns amigos que começaram a praticar. Pode-se dizer que meu primeiro amor foi o Surfe. Era até engraçado, pois em um final de semana eu competia no Surfe e no outro no Jiu-Jitsu. Mas, aos poucos, sem eu perceber, fui treinando mais Jiu-Jitsu que surfando, até que quando percebi, já estava há um ano sem surfar e realmente o Jiu-Jitsu já ocupava grande parte da minha vida.

– Quais os pontos principais que você destaca em sua carreira?

Ao longo da minha jornada, tiveram inúmeros momentos marcantes, mas vou destacar três que foram realmente especiais. O primeiro foi em uma semifinal do Campeonato Brasileiro de Equipes – Faixa Roxa Pesado, onde estávamos empatados com a Alliance em 2 a 2 e toda pressão caiu sobre mim, que faria a quinta e decisiva luta. Que adrenalina! Todo mundo berrando na beira do tatame, foi demais! Consegui classificar a equipe para a final, onde saímos campeões. O segundo foi ser campeão do primeiro Pan-Americano de Jiu-Jitsu que foi realizado nos EUA, um dos campeonatos mais difíceis da minha vida. Cada luta foi uma final. Esse título, sem dúvida, tem um sabor especial. Esse campeonato foi um grande marco para o Jiu-Jitsu e um divisor de águas para que o esporte chegasse onde chegou hoje.

Um pequeno resumo dessa viagem, quem é do Rio sabe, que nessa época a rivalidade entre as academias era muito grande, ao ponto de você não poder nem ser amigo de alguém que treinasse em outra academia. Treinar em outra academia era inimaginável, o clima sempre foi tenso. E esse campeonato fez todas as equipes viajarem juntas e dividir o mesmo hotel. Já dá para imaginar o clima no aeroporto… Mas contrariando todas as estatísticas, a viagem foi um sucesso, grandes amizades nasceram, rixas antigas foram resolvidas e fizemos excelentes lutas, fazendo, definitivamente, a rivalidade ficar apenas dentro do tatame, começando a “profissionalização” da arte suave.

O terceiro foi receber a faixa preta do Murilo Bustamante, que na época era muito difícil. Muita gente boa ficou pelo meio do caminho. As academias ainda eram muito voltadas para as competições, pareciam mais centro de treinamento militar tentando fazer você desistir todos os dias, relembrando bastante o famoso filme “Tropa de Elite”. Ter sobrevivido a este processo é motivo de orgulho, fazendo minha geração de faixas preta ser ainda mais valorizada.

– Como você resume e explica a sua relação profissional com o Bustamante?

O Murilo é o tipo de pessoa que sempre liderou, dando exemplo tanto dentro como fora do tatame. Acredito que dispensa comentários em relação à sua parte técnica, já que é considerado um dos melhores e mais técnicos lutadores de todos os tempos.  Eu me considero um privilegiado de ter tido aulas diretamente com ele da faixa branca até a faixa preta. Desde cedo, ele já me levava para participar dos treinos no Carlson Gracie, que reunia um seleto grupo de verdadeiras lendas do Jiu-Jitsu no mesmo tatame. Com isso, tive a oportunidade de ver quanta disciplina e dedicação eram necessários para competir em alto nível. Com certeza meu convívio diário com ele influenciou muito na minha formação pessoal e profissional. Ele sempre exerceu seu papel de professor e educador, não só sendo extremamente detalhista, passando as mais refinadas técnicas do Jiu-Jitsu, como os valores das artes marciais.

– Fale um pouco mais sobre o momento que você decidiu partir para os EUA?

Apesar de dar aulas desde 1997 e ter tido a oportunidade de ser o Head Coach da Brazilian Top Team em São Paulo por 5 anos, sempre foi difícil viver apenas de Jiu-Jitsu no Brasil. Com isso, sempre tive que conciliar minha vida de atleta e professor com o meu trabalho no mercado financeiro. Com o crescimento acelerado do Jiu-Jitsu pelo mundo nesses últimos anos, consequentemente a criação de novas equipes, a demanda por professores aumentou. Eu já vinha recebendo convites para dar aulas fora do Brasil há algum tempo, até que em 2015, conversando o meu amigo Rafael “Gordinho” Lima, que vem trabalhando com o Jiu-Jitsu fora do Brasil por quase 20 anos, e muito bem sucedido, que se mudou para a Florida (EUA) em 2013, e fundou a START Brazilian Jiu-Jitsu. Ele convidou para passar um tempo com ele e conhecer de perto o trabalho que vinha fazendo. Com certeza, após esse tempo com ele, de ver de perto uma nova metodologia de ensino, com programas para cada faixa e o profissionalismo de comandar a academia como um negócio, foi decisivo para eu tomar coragem e decidir mudar para os EUA.

Acho importante contextualizar essa história de passado e presente que o Gordinho, criado na Gracie Barra foi um dos meus maiores adversários que tive na carreira, e ele se tornou um grande amigo meu. Essa história do Pan-Americano que contei, a final foi contra ele. Pela amizade que criamos, ele me deu essa oportunidade de me mudar para os Estados Unidos.

– O que motivou sua ida BTT para a START BJJ? Qual foi a reação Bustamante?

Após passar esse tempo com o Gordinho na Florida, ele me ofereceu a oportunidade de ser o Head Coach da START BJJ no estado de Maryland (EUA), um estado ainda com poucas academias de Jiu-Jitsu, e logo um grande potencial de crescimento. O Murilo sabe que o Jiu-Jitsu cresceu, evoluiu e se profissionalizou. Ele entendeu que essa seria uma excelente oportunidade profissional para mim e apoiou minha decisão.

– Como é sua rotina nos EUA? Como você emprega a arte suave no país?

Minha rotina aqui nos EUA é viver 100% do Jiu-Jitsu lifestyle. Por morar em uma cidade como eles chamam aqui “dormitório”, onde a maioria das pessoas trabalham em outras cidades, uso a parte da manhã para cuidar da minha saúde, alternando dias de levantamento de peso, aeróbico, crossfit e algumas aulas particulares. Na hora do almoço, dou duas aulas, uma para iniciantes e outra para nível intermediário (maioria dos alunos nesse horário são policiais e bombeiros). Retorno à academia por volta das 15h, onde faço a parte administrativa, e a partir das 16h30 recomeçam as aulas, divididas em infantil, iniciante, intermediário e avançado. Eu acredito que o Jiu-Jitsu vai além de chave de braço e estrangulamento, ele é uma grande ferramenta de transformação na vida das pessoas, sempre impactando de forma positiva, Eu costumo dizer que o Jiu-Jitsu tem o poder de extrair o melhor de cada indivíduo. Ele funciona como um micro universo, onde faz você se conhecer, se desafiar e superar adversidades. Além de entender a importância de passar toda a parte técnica do Jiu-Jitsu como defesa pessoal e a parte esportiva, acho fundamental levar também os valores das artes marciais, tais como: disciplina, confiança, respeito, autoestima, entre outros. Venho fazendo um trabalho voluntário com o Jiu-Jitsu para a comunidade local que me deixa muito feliz. Tenho realizado diversos seminários, em acampamentos de verão e algumas creches, onde procuro mostrar algumas técnicas de defesa pessoal, anti-bullying e os valores das artes marciais. Já participaram desses seminários mais de 500 crianças.

– Como você avalia a arte suave nos EUA hoje em dia?

Após a mudança da IBJJF e o Campeonato Mundial para a Califórnia há alguns anos, fez com que o Jiu-Jitsu crescesse bastante por aqui, fazendo com que grandes nomes do esporte viessem para os EUA, resultando em um aumento significativo no nível da arte suave no país. Os americanos, culturalmente, levam o esporte muito a sério. Com disciplina e dedicação, já vêm provando que são uma realidade nas faixas coloridas. Com a infraestrutura que o país dá, somado a qualidade dos professores que aqui estão, é questão de tempo para eles fazerem mais barulho entre os faixas preta. Não tem nem três anos que vim para cá e já temos alguns alunos com ótimos resultados em campeonatos. Tenho um rapaz de 15 anos, o Justin Richardson, que ganhou todos os campeonatos no ano passado, é faixa amarela e, com certeza vai longe, vai fazer muito barulho no futuro.