Artigo: através de relatos, saiba como o Jiu-Jitsu pode atuar como ‘grande aliado’ aos portadores do Autismo

Artigo: através de relatos, saiba como o Jiu-Jitsu pode atuar como ‘grande aliado’ aos portadores do Autismo

Por Letícia Gil 

Nicholas tem apenas 3 anos. Kenzo, 15. Um mora em São Paulo, o outro vive do outro lado do mundo, no Japão. Eles nunca se viram, mas o caminho entre eles se cruza em uma luta comum. Os dois são portadores de Autismo e usam o Jiu-Jitsu como estratégia de defesa.

Todo sábado, Nicholas chega cedo na academia, acompanhado pela mãe. O menino faz parte da nova turma da arte suave para crianças com o transtorno. São oito alunos, entre 3 e 8 anos. A sugestão partiu de Laura Bertolini, que acredita na força do esporte para aumentar a interação do filho com outras pessoas. A dificuldade de socialização é um dos sintomas do transtorno neurológico, que afeta a comunicação, a capacidade de aprendizado e provoca isolamento social.

A demora para andar, o atraso na fala e a falta de contato visual do garoto com outras pessoas despertaram a preocupação dos pais, que procuraram ajuda dos médicos.

Quando recebeu o diagnóstico do Autismo, a família morava nos Estados Unidos. Apesar das expectativas profissionais no exterior, o futuro do filho era mais importante. Os pais acreditavam que ele seria mais bem acolhido na terra natal e decidiram voltar para o Brasil. A mãe deixou o mercado de trabalho e se dedica o tempo todo ao menino “Ele me ensinou a ser mais paciente e a respeitar o tempo de cada um. Ele é meu potinho mágico”, diz Laura sobre o caçula.

A rotina dele é intensa, com tarefas escolares, terapia ocupacional, sessões com com psicólogos e fonoaudiólogos. E no fim de semana, ainda sobra energia para gastar no tatame.

Para o faixa preta Luciano Bomba, com mais de 20 de experiência no Jiu-Jitsu e 13 como professor da arte suave, nada se compara a oportunidade de conviver e ensinar essas crianças. “É uma mistura de amor e desafio”, diz Luciano.

Nenhuma dificuldade desanima mãe e filho. Ela tem planos ambiciosos e não vê barreiras para o menino chegar até a faixa preta.

No caso do Kenzo, diagnosticado com Autismo aos 4 anos, o pai Will Karakawa se tornou professor quando percebeu o interesse do menino pelo esporte que ele gostava. Na época, ainda era faixa roxa, e a conquista da preta foi inspirada no filho. “Um dia eu vou entregar essa faixa ao Kenzo”, projeta Will.

O menino se transformava no tatame e o encanto era cada vez maior. As aulas, ao lado de outras crianças, eram divertidas e o tiravam do isolamento provocado pelo Autismo.

Kenzo queria mais: desejava competir. Ele perdeu muitas lutas, mas não desistiu e um dia venceu “Ele fez mais do que o propósito. Quando o juiz levantou o braço dele, eu conseguia sentir o orgulho que ele sentia dele mesmo”, conta o pai.

Era só o começo de uma jornada vitoriosa. Em 2015, Kenzo chegou ao Pan Kids, na Califórnia, nos Estados Unidos, um dos mais importantes campeonatos do mundo, e fez história. Conquistou o ouro e foi o primeiro portador de Autismo a participar do torneio e a se consagrar campeão.

O garoto, que nasceu em Curitiba, é dedicado. Os treinos, no Japão, são focados nas competições. O esforço se reflete no sucesso que ele faz nos campeonatos pelo mundo. Os pais não medem esforços para acompanhá-lo, e cada viagem já representa uma grande vitória.

Outra fera no Jiu-Jitsu é o baiano Igor Nogueira, de 24 anos. Uma realidade que a mãe não imaginava para o filho, diagnosticado com Autismo aos 7 anos de idade. Se o jovem tinha aversão ao toque, como poderia praticar um esporte de intenso contato físico? Além disso, ele não tinha coordenação motora, apresentava movimentos intensos repetitivos e era muito dependente. Mas Igor conseguiu reverter o jogo.

Marleide Nogueira foi abordada em uma academia pelo instrutor Marcelo Vidal, que convidou Igor para participar de uma aula. Após muita resistência, o baiano entrou no tatame acompanhado pelo pai. A mãe tinha certeza de que não daria certo. Estava enganada. O jovem não parou mais de treinar.

As respostas chegaram em casa. Igor passou a ter mais foco, coordenação motora e concentração. “O que me impactou de verdade foi quando falei com meu filho, e ele me olhou nos olhos. Quis ir à academia para ver o treino e percebi que as técnicas do Jiu-Jitsu confrontavam os sintomas do Autismo. A partir dali, a nossa história mudou completamente”, conta Marleide.

Em 2016, Igor se tornou o primeiro autista a vencer o campeonato estadual, na Bahia, em uma disputa convencional, diante de adversários sem deficiência. Dois anos depois, brilhou no Mundial de ParaJiu-Jitsu, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes.

O jovem faixa azul pretende se formar em Educação Física e quer transformar seu exemplo de superação para ajudar outras pessoas. O sonho dele é conquistar a faixa preta e dar aulas para crianças autistas.

A dedicação do faixa preta Allan Di Lucia a alunos especiais começou há quatro anos, no Rio de Janeiro. O carioca virou militar da Força Aérea Americana e levou o projeto para os Estados Unidos.

Nas horas livres, ele ensina as técnicas do Jiu-Jistu para crianças autistas e com Síndrome de Down. O instrutor ressalta que o contato físico durante as aulas é um aliado para combater a tendência de isolamento dos portadores do transtorno e ajuda a moldá-los para situações fora do tatame. “Eles, geralmente são mais abertos a uma aproximação quando sabem que faz parte da atividade. Facilita, por exemplo, uma pessoa a chegar perto deles e dar uma abraço. O Jiu-Jitsu é uma ferramenta fantástica”, completa o Allan Di Lucia.

Erasmo Casella, neurologista da infância e adolescência do Hospital Israelita Albert Einstein, destaca a importância da divulgação e esclarecimentos sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e a conscientização de todos para saber lidar com os portadores de Autismo, que muitas vezes sofrem por não conseguirem fazer amigos, entre outros sintomas. O médico recomenda um tratamento com terapia baseada na análise aplicada do comportamento e diz que o esporte pode ser um aliado.

“Não se deve deixar de lado as outras terapias, mas a prática de uma arte marcial pode ajudar, principalmente, na socialização. E se a criança se dedicar pode até se tornar uma campeã”, ressalta Cassela..

Nicholas, Igor e Kenzo são exemplos de que sempre há uma saída para reverter os desafios.