Com 10% da visão de um olho, brasileiro faz história no Taekwondo e mira ouro nos Jogos Pan-Americanos

Com 10% da visão de um olho, brasileiro faz história no Taekwondo e mira ouro nos Jogos Pan-Americanos

Por Diogo Santarém

Vice-campeão mundial de Taekwondo em maio, Ícaro Miguel fez parte da campanha história da seleção brasileira na competição, já que o país realizou sua melhor performance em Campeonatos Mundiais em número de medalhas, com cinco conquistas. O mineiro também é um dos favoritos ao ouro em sua categoria (até 80kg) na disputa dos Jogos Pan-Americanos de Lima, no Peru, onde entrará em ação nesta segunda-feira, dia 29.

Considerado também uma das esperanças de medalha no Taekwondo para os Jogos Olímpicos de Tóquio, no ano que vem, Ícaro tem uma trajetória de sucesso na modalidade. O que poucos sabem, no entanto, é sua superação diária para seguir representando o Brasil nos principais torneios do esporte, com o sonho do ouro pan-americano e olímpico.

Quando ainda era criança, um acidente doméstico comprometeu de forma significativa a visão do olho direito de Ícaro, mais precisamente aos 6 anos. Em entrevista à TATAME, o atleta de Betim, em Minas, falou sobre o ocorrido, que atualmente o possibilita ter somente 10% da visão do olho direito após queimaduras na córnea, retina e nervo óptico.

“Foi uma queimadura química, caiu amônia no meu olho quando eu tinha 6 anos de idade. Minha família tinha passado o dia num clube e aí o meu olho estava um pouco vermelho, irritado, por conta do cloro da piscina. Minha mãe foi colocar água boricada no olho, mas confundiu os frascos e pingou amônia no meu olho. Foi uma loucura, ficou todo mundo desesperado. Eu cheguei a recuperar a visão na época, cheguei a ter 90% da visão, mas com o passar dos anos, a minha córnea foi vascularizando, e aí por isso eu fui perdendo a visão de forma gradativa, até chegar ao ponto de eu ter que fazer um transplante. Os médicos falaram da possibilidade do transplante, só que eu não poderia fazer, pois eu não poderia mais lutar Taekwondo. Daí, optei por seguir minha carreira e operar quando eu me aposentar do esporte, só lá na frente”, contou o lutador, hoje aos 24 anos de idade.

Veja a entrevista completa com Ícaro Miguel:

-Início da trajetória no Taekwondo

Eu comecei a treinar com 8 para 9 anos de idade, por influência dos meus pais, que já tinham praticado o esporte na juventude deles. Um dia, eu falei para o meu pai que gostaria de praticar uma luta, e ele, por ter praticado, me indicou o Taekwondo. Quando comecei, meus pais também voltaram a praticar, minhas irmãs também começaram, mas só eu continuei. Eu sou de Minas Gerais, então comecei em Betim, meu primeiro professor se chama Abel Martins e foi com ele que me tornei faixa-preta. Em 2010, eu já era faixa-preta e entrei para a equipe do Sesi, que era mais focada em competição, onde fiquei até 2014. Depois disso, vim para São Caetano do Sul, em São Paulo, onde estou até hoje.

-Campanha histórica no Mundial

Esse Mundial foi algo realmente incrível para a gente. A última vez que o Brasil tinha feito uma final de Mundial foi em 2005, e agora comigo e com a Caroline. Foi uma conquista grande para o Taekwondo brasileiro e eu fico contente. Faltou um pouquinho para a gente conquistar a medalha de ouro, mas fico feliz porque, querendo ou não, fizemos história.

-Final contra o russo Vladislav Larin

O russo era um atleta muito grande, experiente, o número 1 da categoria e do ranking mundial. Eu sabia que seria difícil, mas sabia também que era possível vencê-lo. Comecei a luta ganhando, abri 4 a 0 e fiquei até o final do segundo round na frente. Em seguida, tomei um chute no rosto, ele colou no placar e acabou virando. Acho que faltou um pouco mais de paciência quando ele passou no placar, de eu conseguir buscar. Isso eu já venho trabalhando com meus treinadores. Na parte técnica eu não vi tanta diferença, faltou só um pouco de paciência para encaixar os golpes nos momentos mais exatos do duelo.

-Expectativa pros Jogos Pan-Americanos

Venho de bons resultados nas competições internacionais e estou esperançoso. Da mesma forma que tive um bom resultado no Mundial, acho que posso repetir isso nos Jogos Pan-Americanos. Tem um atleta de Cuba que é um adversário forte, é o atual campeão do Pan na minha categoria, também tem um americano e um mexicano que estão vindo bem. São ótimos oponentes, mas me vejo em condições de brigar de igual para igual. Quero o ouro.

-Reflexos da lesão no olho nas lutas

Em relação a lidar com a velocidade da luta, é algo meu, que eu desenvolvi. Quando minha visão piorou, eu tinha 20/21 anos e foi um baque muito grande. Perdi muita noção de tempo, espaço, e isso é fundamental. Eu treinava de manhã e à tarde com a equipe e à noite eu treinava à parte. Treinava um pouco mais de defesa, tampando o olho bom (risos), e deixava enxergando apenas o olho ruim e treinava as coisas que eu deveria. Foi a forma que encontrei, passei a treinar muita defesa e questão de velocidade.

-Falta de patrocínios no Taekwondo

É um pouco difícil. Hoje eu até agradeço a São Caetano do Sul, pois há cinco anos estou aqui, então agradeço imensamente a cidade, porque se não fosse a cidade eu não teria a estrutura e nem os profissionais que tenho à disposição. A minha renda, atualmente, vem apenas de São Caetano e do bolsa-atleta. É uma situação difícil, porque nós atletas dependemos muito de viagens para rodar o circuito mundial, preciso estar em vários países para competir e não tem um suporte grande. A Confederação até consegue, mas a gente sabe a quantidade de competições, então é algo complicado. Em 2017, eu cheguei a tentar integrar a equipe da Marinha, porém, por essa deficiência no olho, não consegui entrar.