Coluna Treinamento Desportivo: como pensar na técnica através dos esportes de combate? Veja
* Ao falarmos de técnica desportiva nos esportes de combate, estamos adentrando em mais um terreno complexo na área do treinamento e da preparação física, uma vez que ela pode ser interpretada de formas diferentes e, até mesmo, equivocadas.
A técnica no esporte não pode ser vista simplesmente como o movimento correto a ser executado. Afinal, como definir um movimento correto em algumas modalidades desportivas de combate ou mesmo considerando os fundamentos de alguns jogos nos quais o que realmente importa é a produtividade? E que nem sempre uma performance motora executada à luz dos manuais técnicos é necessariamente produtiva? Essa é aquela afirmação que deixa muitos mestres de artes marciais de “cabelos em pé”. Por isso, convidamos o Professor Doutor e autor do recém-lançado livro “Fundamentos dos Esportes Individuais de Alto Rendimento”, Thiago Pimenta, para explicar sobre alguns detalhes importantes nesse desenvolvimento.
Pois bem, vamos entender primeiro que, sob essa ótica, a técnica desportiva está diretamente associada às especificidades cerebrais humanas de gerar movimentos performáticos e produtivos ao esporte. Vamos pensar que os movimentos performáticos para o desporto são construídos de acordo com padrões muito bem definidos e orientados pela literatura específica. Entretanto, a construção de uma técnica desportiva é algo que apenas o cérebro humano é capaz. Ele cria movimentos, adapta e os otimiza a partir da associação.
Além disso, o cérebro humano é o único adaptado para mostrar o movimento mediante a criação de processos de ensino que envolvem a observação, a reprodução, a adaptação dos movimentos, a linguagem falada e, posteriormente, a escrita. Ou seja, ele é capaz de criar um processo pedagógico do movimento.
É a especialização do cérebro humano que cria o refinamento, o controle, as correções e adaptações motoras mediante um constante processo de ensino e aprendizagem transmitido por um processo pedagógico. Assim, é pela potencialidade cerebral humana que surge a técnica desportiva. Considerando os paradigmas científicos, podemos entender o termo técnica a partir de duas importantes perspectivas: de um lado, as explicações rotuladas como das ciências naturais; do outro lado, as ciências sociais e humanas.
A concepção de técnica explicada pelas ciências da natureza é delimitada por uma dimensão instrumental, “como se o corpo fosse o executor eficiente de uma ação antecipadamente prevista pela mente” (Daolio, 2002, p. 100). Explica a técnica por referenciais da fisiologia, biomecânica, cinesiologia, física e matemática.
Por sua vez, Platonov (2008, p. 354) refere-se à técnica como um “conjunto de procedimentos e ações que garantem soluções mais eficazes para as tarefas motoras de acordo com a especificidade da modalidade, da disciplina e do tipo de competição”.
Assim, a técnica se relaciona com o movimento correto ou, mesmo, diz respeito a uma forma de classificação. Daolio e Velozo (2008) também afirmam a existência de uma técnica – esportiva – como construção cultural. Ou seja, a evolução do neocórtex também contribui para a capacidade humana de transmitir e copiar os movimentos. A técnica possui o que Marcel Mauss (2009) chamou de eficácia simbólica. Para o autor, as técnicas corporais “são os gestos simbólicos que são, ao mesmo tempo, gestos reais e fisicamente eficazes” (Mauss, 2009, p. 115).
Isso significa que as técnicas são aprendidas socialmente, passadas dos mais velhos para os mais novos, agregando características adaptáveis ao contexto contemporâneo. Sendo também cultural, a técnica se refere a um movimento corporal carregado de elemento simbólico, mas que não é natural, pois é forçado, ensinado e reproduzido a ponto de se tornar automático. Como afirmar a superioridade de alguns países do continente africano em modalidades do atletismo, por exemplo?
-Resposta pelo determinismo geográfico: nas corridas de fundo, podemos lembrar dos países localizados em grandes altitudes
-Contestação do determinismo geográfico: entretanto, Lima, no Peru, apesar da altitude, não é um celeiro de atletas fundistas
-Resposta pelo determinismo biológico: pela superioridade de fibras vermelhas que determinado tipo de etnia possui mais do que outra
-Contestação do determinismo biológico: negros se destacam em corridas rasas (distância curta) e em corridas de resistência (média e longa distâncias, onde a demanda metabólica e o recrutamento de fibras são diferentes)
-Resposta pelo viés cultural: algumas modalidades têm um investimento financeiro e de tempo maior em determinados países do que em outros, formando uma cultura esportiva que propicia maior facilidade para recrutar e desenvolver jovens talentos
Compreender esses determinismos é essencial para avançarmos nos conceitos sobre a preparação técnica. Afinal, a preparação corporal é um conceito extremamente complexo e está muito além do movimento bonito, ou bem executado. O que é um movimento bem executado nos esportes individuais? O que é um movimento considerado técnico?
Para exemplificar, vamos pensar em um lutador de MMA, que desde o processo de iniciação desportiva vem aprendendo os movimentos de sua modalidade de forma a criar um estereótipo do golpe de punho, do chute baixo, do chute alto, entre outros. Entretanto, no confronto contra outro lutador em determinada competição, um “pombo sem asa” pode ser determinante no resultado da luta.
Há lutadores que possuem um padrão motor hegemônico da modalidade (golpeiam com beleza, de acordo com os manuais “técnicos” de sua modalidade), bem como aqueles que contam com um significativo volume de treinamento em luta ou grande experiência de combate, mas não possuem necessariamente movimentos que deixariam felizes os escritores desses manuais, embora sejam mais produtivos na luta.
A esse respeito, podemos considerar diferentes variáveis relacionadas a diversas modalidades de desporto de combate: duração do combate; números de luta no dia; tempo total da competição; intervalo de descanso; número de ataques no combate.
Em contrapartida, tomemos como exemplo as lutas que possuem como modalidade de competição os Katas, Katis ou Poomses (movimentos solitários ou em grupos que simulam combates), em que a produtividade está diretamente relacionada à execução do movimento. Nesse sentido, pensemos nas ginásticas artística e rítmica, modalidades nas quais o movimento é o critério de performance. Em um salto mortal carpado, se o pé do atleta não estiver na posição correta do manual, ele perderá pontos.
Partindo dessas características, podemos concluir que a técnica esportiva está diretamente vinculada ao critério de performance. Nessa perspectiva, Platonov (2008) apresenta três importantes caracterizações das modalidades esportivas de acordo com a manifestação de suas características técnicas:
- Modalidades com manifestação relativamente estável das características cinemáticas (ginástica artística e rítmica, patinação artística, nado sincronizado, salto ornamental);
- Modalidades com manifestação relativamente estável das características dinâmicas (atletismo, natação, halterofilismo);
- Modalidades com características dinâmicas e cinemáticas marcadas por modificações constantes de acordo com a situação competitiva (lutas individuais e jogos).
Sabemos que existe um sistema de classificações das modalidades de acordo com sua orientação técnica, mas não podemos esquecer da complexidade envolvida nas classificações da técnica desportiva. Afinal, a força geral de um levantador de peso olímpico não significaria muita coisa se ele não tivesse sedimentado o estereótipo de todas as etapas motoras envolvidas no arranque e no arremesso; da mesma forma, a força envolvida em um salto sobre a mesa na ginástica artística não significa nada sem a habilidade em coordená-la com os elementos espaciotemporais envolvidos no salto.
Por fim, a técnica não pode ser comparada entre os diferentes esportes, uma vez que cada modalidade possui um sistema de classificação diferenciado, conforme com suas exigências habilidosas e competitivas.
Thiago Pimenta é: Professor Adjunto do Centro de Educação Física e Desportos pelo Departamento de Desportos Individuais da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM/RS
Dr. Ciências da Motricidade (UNESP-Rio Claro)
Mestre Sociologia (UFPR)
Especialista Esporte escolar (UnB)
Graduado Pedagogia (UNINOVE-SP)
Graduado em Educação Física (UNESP-Bauru)
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